colunista do impresso

Impunidade

A comentada impunidade dos crimes cometidos no Brasil não é questão que diz respeito somente ao Poder Judiciário, mas a seletividade com que são investigados e denunciados os crimes, em face do modelo de vida que caracteriza a nossa mentalidade. A impunidade, em geral, ronda as pessoas de classe média e alta, que dificilmente têm seus ilícitos apontados e investigados. A situação tem se alterado para melhor, mas ainda não ao ponto de podermos dizer que todos têm o mesmo tratamento diante da lei.

Sem dúvida, do número total de ilícitos que acontecem, somente um pequeno percentual dos crimes chega a ser investigado. Além disto, daqueles que são investigados, muitos são arquivados ou ficam pendente de solução como, por exemplo, não ser determinada a autoria do fato criminoso investigado.

Por outro lado, os crimes ditos "de colarinho branco", numa alusão aos criminosos engravatados, começam aos poucos a serem investigados e processados, mas resta ainda uma discriminação clara de tratamento entre o populacho e o granfino. Exemplo, em Porto Alegre dezenas de detidos estão em viaturas policiais por ausência de estabelecimentos prisionais próprios. Não se imagina que seria admitido a qualquer "doutor" esta indignidade.

Pode parecer um paradoxo, mas foi nos governos petistas que se aperfeiçoaram as leis, garantindo que os crimes de corrupção e organização criminosa pudessem ser enfrentados com regras legais apropriadas, podendo atingir aos "graúdos". Com o Mensalão e depois a Lava Jato, o próprio PT terminou enredado exatamente por leis de sua iniciativa. As leis existem tanto para punir como ditar as regras de como devem ser as investigações e o processo penal.

A corrupção não nasceu neste século, embora tenha sido nos últimos anos que ela (a corrupção) ganhou organicidade. Antes da atual legislação não houve operações de vulto como as do Mensalão e da Lava Jato por falta de instrumentos legais que as garantissem. É alarmante o fato de que, apesar de toda a repercussão dos mecanismos de combate a corrupção, casos recentes demonstram que o efeito que deveria ser didático não está surtindo efeito. São corriqueiras novas notícias de desvio de verbas públicas (superfaturamento, diárias indevidas, apropriação de valores de assessores, desvio de dinheiro dos fundos partidários, etc.).

Os fatos estão sendo investigados, os responsáveis processados e punidos, mas não se vê o resultado prático na redução da criminalidade. Onde estaria o nó da questão?

Fica fácil, quando se trata da criminalidade comum, dizer que os delitos praticados pela plebe são frutos da falta de repressão adequada ou de que decorreria da marginalização social em que larga camada da sociedade é obrigada a viver.

Os criminosos de colarinho branco reproduzem o mesmo ímpeto transgressor que se constata no "baixo mundo" e parece não sofrerem qualquer abalo, mesmo diante dos exemplos de punição expostos à exaustão.

Macunaíma, o herói sem caráter, de Mário de Andrade, é o retrato vivo da alma nacional. A elite quer rigor com a plebe que pratica crimes no varejo, mas se nega olhar-se no espelho e se reconhecer com os mesmos defeitos de caráter.

A criminalidade, não podemos negar, permeia a república verticalmente, de alto à baixo, e não será a construção de novos presídios nem o endurecimento das penas que resolverão o problema, que é endêmico, decorrente de uma cultura patrimonialista, que não vê o Estado como bem comum, mas, ao contrário, vê o Estado como um ente a ser rapinado e o semelhante como um indivíduo a ser explorado até tosquiar-lhe a carne viva.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Os avós e São João XXIII: um santo com açúcar

A pressão nas universidades Próximo

A pressão nas universidades

Colunistas do Impresso